“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil.” (grifei)
Recentemente, o Senador Magno Malta veio a público, como se fosse o ato mais nobre de sua existência, ameaçar renunciar ao seu mandato, caso a lei contra homofobia seja aprovada.
Em Goiás, o Juiz de Direito Jeronymo Pedro Villas Boas, numa sentença fundamentada em valores pessoais de caráter eminentemente homofóbico, cancela Escrituras Públicas de Declaração de União Estável, tentando evitar o inevitável.
Num ato insano, o Juiz também ordena aos Cartórios que se abstenham de proceder qualquer escrituração de união estável entre pessoas do mesmo sexo.
Fundamentando seu pensamento arcaico, o Juiz cita as Constituições desde 1969 e demonstra que não acompanha, e nem aprova as mudanças da sociedade. Ou seja, tudo deve permanecer na mais perfeita ordem da inércia e respeitando os ditames do que alguns consideram “padrões normais“ de comportamento.
Não percebem o deputado, o Juiz e tantas outras vozes que se erguem neste mesmo eco, que hoje a família se baseia no afeto, no respeito e em cuidados mútuos. Que “o mesmo teto” e a “prole comum” não são requisitos de constituição de família, assim como não pode ser a diversidade de sexo.
Pessoas vivem sob tetos diferentes e nem por isso deixam de formar uma entidade familiar.
Diferentes entidades familiares se formam a cada dia, movidas pela busca da felicidade, do companheirismo, da solidariedade, com ou sem prole comum.
Casais homoafetivos adotam crianças que vivem na mais cruel realidade — todas abandonadas por pais héteros que as deixaram a mercê de cuidados, de respeito e de amor.
Crianças espancadas e jogadas no lixo, por pais héteros, são acolhidas, amadas e respeitadas por homossexuais.
Estas, sim, deveriam ser o foco de olhares mais atentos, pois além de terem sido abandonadas pelo pai e pela mãe, ainda vivem no limbo jurídico, em meio a tanta burocracia que as deixam cada vez mais distantes de uma família.
Estranho é observar que esses e tantos outros cidadãos públicos ou civis, dediquem grande parte de suas vidas e de seu tempo útil em combater direitos e interferir na intimidade de pessoas que só desejam, como todos, serem respeitados, serem felizes e terem uma vida digna.
É lamentável a inversão de valores que vivemos hoje, onde se permite o desrespeito ao outro, onde a dignidade perdeu sua razão de ser.
Os homens públicos, eleitos pelo povo (todo o povo, independente de sua orientação sexual), conforme o compromisso constitucional assumido, deveriam trabalhar por um mundo melhor, mais justo, mais igualitário e mais pacífico. Ao contrário, o que vemos é a incitação às diferenças, às práticas do preconceito, da discriminação por este ou aquele motivo.
Um rápido olhar pela Constituição Brasileira nos dá a dimensão de sua proposta. Não precisa ser grande jurista ou doutrinador. É simples e muito claro. Está lá, bem no início conforme transcrito acima.
Os valores listados e declarados no corpo da Constituição de nada valem? Outros valores hoje se sobrepõem à ordem da igualdade, liberdade e justiça que parecem estar fora de moda, assim como a ética e o respeito.
Em nome de um “Deus”, evangélicos e católicos dão-se as mãos, unidos na mais ampla corrente pela discriminação e preconceito. Sob os argumentos da religião – num estado laico que consagra a liberdade de crença — grandes bancadas se manifestam contrárias a livre manifestação do ser humano, ferindo sua dignidade de forma vil, irresponsável e imoral.
Afirmam combater o que julgam impróprio e inadequado, violando o que o ser humano tem de inviolável que é a sua intimidade, sua vida privada, como se sua orientação sexual ou o companheiro escolhido para fazer parte de sua vida pudessem agredir alguém.
Homens públicos se perdem na hipocrisia enquanto cidadãos honestos e dignos carecem de sistemas minimamente eficientes de saúde, segurança, educação, transportes, moradia.
Hoje, o foco são os homossexuais. Aliás, ter um “foco” faz parte de um jogo político para desviar a atenção das pessoas do que realmente ocorre e não deve ser observado, para o bem de todos.
Falcatruas incessantes terminam em nada, pois ninguém tem interesse em apurar a roubalheira, o mau uso do dinheiro que todos nós, independente de cor, raça ou sexo, pagamos aos cofres públicos e que acaba jogado no ralo da podridão que assola o congresso, o executivo e até o judiciário.
Do contrário, nada disso faria sentido, pois, é difícil acreditar que estes homens públicos voltados para discursos insanos são, realmente, desprovidos de inteligência e bom senso.
Talvez o Senador Malta e tantos outros que com ele compactuam, estariam fazendo um grande favor ao país renunciando aos mandatos por incapacidade para cumpri-los dentro da ordem –
e da justiça.
Talvez o povo brasileiro necessite de melhores exemplos a serem seguidos; de melhores discursos voltados pra o senso de justiça, de ética e de respeito à dignidade humana do individuo, independente de sua raça, cor, sexo, crença, ou orientação sexual.
Todos desejam viver um mundo melhor e de paz. A paz interior que a humanidade, as famílias e todos os povos desejam e não se cansam de buscá-la.
Que todos os homens públicos e civis sejam mais fraternos, mais solidários para que os direitos de cada individuo sejam reconhecidos e respeitados, e que a verdadeira igualdade prevaleça.