A possibilidade de exercer a maternidade não está ligada apenas aos vínculos biológicos. Foi partindo da premissa do afeto e do melhor interesse da criança que a 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Paraíba manteve sentença e garantiu que uma madrasta ficasse com a guarda do filho do seu ex-marido.
Depois da morte de sua mulher e mãe biológica do filho, ele a procurou e iniciaram um relacionamento. Durante nove anos, os três viveram juntos e, de acordo com os relatórios da sentença, a criança adotou a nova mulher do pai como mãe. O casamento terminou após um caso extraconjugal do marido. Hoje, a criança já é um adolescente de 14 anos. O relatório ressalta ainda a vontade da criança em ficar com a mulher que o criou manifestada pela relação que ele construiu com a madrasta.
De acordo com o advogado e diretor do IBDFAM nordeste, Paulo Lôbo, a decisão é correta refletida pela longa convivência do casal e pela vontade manifestada pela criança de ficar com a madrasta. “O Tribunal tomou como fundamento o melhor interesse da criança, que orienta o Poder Judiciário na definição da guarda. O art. 1.584 do Código Civil prevê que o critério a ser observado é a relação de maior afinidade e afetividade, que, no caso, era mais com a madrasta do que com o pai biológico”, explica.
A psicóloga e presidente da Comissão de Relações Interdisciplinares, Giselle Groeninga, aponta a escolha pela parentalidade socioafetiva e a possibilidade de exercer a maternidade sem a necessidade dos vínculos biológicos, como um grande avanço para a sociedade atual. “Não se trata de uma questão de ganhar ou perder a guarda da criança. Cada um deve ter o seu lugar reconhecido. Felizmente o judiciário está saindo do modelo de causalidade linear que só assegurava a relação de pai e mãe biológicos, priorizando quem tem mais sintonia com a criança”, completa.
Novos modelos
Paulo Lôbo aponta também que essa decisão está de acordo com o novo conceito de família recomposta que se refere à nova união com outra pessoa (casamento ou união estável) de quem se divorciou ou se separou de fato, integrada com os filhos da união anterior. “Essa entidade familiar é singularizada pelo compartilhamento da convivência com os filhos entre o pai ou mãe que não detém a guarda. O poder do pai separado não é desconsiderado, mas deve concorrer com a função do novo companheiro da mãe”, explica.
Esse conceito de família recomposta foi incorporado no Estatuto das Famílias, proposta legislativa do IBDFAM que pretende revogar todo o livro IV do Código Civil de 2002. O objetivo é que a legislação passe a dar tratamento diferenciado a essa nova entidade familiar que nunca foi reconhecida. “O padrasto e a madrasta são protagonistas esquecidos. Urge que sejam definidos os direitos e deveres que brotam da convivência com os filhos do outro companheiro, sem prejuízo do poder familiar do pai separado”, completa Paulo Lôbo.
Mesmo que o nome “madrasta” traga implícito a palavra “má”, é preciso transformar o imaginário social que a coloca sempre num lugar negativo. “O imaginário coloca a madrasta como aquela que vai ocupar o lugar da mãe, mas a realidade não reflete esse imaginário, sobretudo no modelo da família atual”, questiona Giselle.
Sem soma
Os autos do processo explicitam a não necessidade de se destituir o genitor do poder familiar e nem a razão de apagar a relação parental existente. Mesmo assim, o juiz optou pela guarda unilateral restringindo o direito de visitas do pai biológico. A visita fica assegurada toda semana, pegando o filho no sábado pela manhã e entregando-o aos domingos até as 18 horas. Nas férias escolares ficou determinado que o menino fique quinze dias com a madrasta e os outros quinze dias com o pai.
O advogado e presidente da Comissão de Ensino Jurídico de Família, Waldyr Grisard, acredita que o juiz deve optar pela guarda compartilhada mesmo em situações de conflito. “A justiça deve assegurar uma ampla convivência entre pai e filho e mãe e filho privilegiando a questão do afeto”, relata. Giselle explica também que a opção pela guarda unilateral pode cair num modelo de exclusão e não num modelo de soma garantido pela guarda compartilhada.